O Método Paulo Freire

O Método Paulo Freire

Visão humanista de Freire revolucionou a forma de alfabetizaçaõ em todo o país

No ano em que celebramos o centenário de nascimento de Paulo Freire (19/9/1921), a Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais preparou uma programação especial para celebrar esse momento importante. Todo dia 19 de cada mês, será publicada nas redes sociais, e também no nosso site, uma série de conteúdos que homenageando o legado do Patrono da Educação Brasileira. Ao elaborar um método pedagógico, Freire revolucionou o ensino no país e, desde então, o “Método Paulo Freire” se tornou referência para o desenvolvimento educacional.

O método de alfabetização criado por Paulo Freire é dividido em três etapas: investigação, tematização e problematização. Na etapa de investigação, aluno e professor buscam, no universo vocabular do aluno e da sociedade onde ele vive, as palavras e temas centrais de sua biografia. Na segunda etapa, a de tematização, eles codificam e decodificam esses temas, buscando o seu significado social, tomando assim, consciência do mundo vivido. E no final, a etapa de problematização, aluno e professor buscam superar uma primeira visão mágica por uma visão crítica do mundo, partindo para a transformação do contexto vivido.

O método Paulo Freire estimula a alfabetização dos adultos mediante discussão de suas experiências de vida entre si, através de palavras presentes na realidade dos alunos, que são decodificadas para a aquisição da palavra escrita e da compreensão do mundo. Desde seus primeiros escritos, ele considerou a escola muito mais do que as quatro paredes da sala de aula. Seu método não visa apenas tornar mais rápido e acessível o aprendizado, mas pretende habilitar o aluno a “ler o mundo”, na expressão famosa do educador. “Trata-se de aprender a ler a realidade (conhecê-la) para em seguida poder reescrever essa realidade (transformá-la)”, dizia Freire. A alfabetização é, para o educador, um modo de os desfavorecidos romperem o que chamou de “cultura do silêncio” e transformar a realidade, “como sujeitos da própria história”.

Coerência é a principal característica de Freire. Para ele, não é possível adotar diretrizes pedagógicas de modo consequente sem que elas orientem a prática, em todos os aspectos. “As qualidades e virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e fazemos”, escreveu o educador. “Como, na verdade, posso eu continuar falando no respeito à dignidade do educando se o ironizo, se o discrimino, se o inibo com minha arrogância?”  
A vida e obra de Freire se baseiam em 5 princípios:

Empatia:
“A empatia vai além da generosidade. Na visão de desenvolvimento de Freire, não há espaço para a caridade no sentido de classificar os necessitados como sem capacidade ou deficientes de alguma forma. Em vez disso, o princípio da empatia é uma forma de reconhecer diferentes pontos de partida que tornam mais difícil para alguns alcançar seus objetivos. O princípio da empatia reconhece as desigualdades e as considera como questões coletivas, em vez de uma questão de esforço ou mérito individual. A necessidade, ou estar em necessidade, é um sinal de domínio de alguns sobre outros. A empatia é então necessária para desencadear uma mudança que irá prover os dominados do que é necessário para romper este ciclo de opressão.” (Suzina & Tufte, 2020, p.414).

Diálogo:
“O diálogo é o mecanismo central de mudança, segundo Freire, e é isso que faz Peruzzo (2020) definir que, mais do que pedagógica, a visão de Freire é de comunicação. Como ela afirma, a comunicação está profundamente inscrita em seu modelo de ensino e aprendizagem. É parte integrante de um intercâmbio permanente entre professores e alunos. Waisbord (2020) leva o argumento um passo adiante, sugerindo que ‘a comunicação é como aprendemos a ser humanos’, e destaca como o trabalho de Freire explora vários recursos que configuram um ‘projeto para uma comunicação democrática’, oposta a qualquer manifestação do populismo. O diálogo é, portanto, um princípio transversal.” (Suzina & Tufte, 2020, p.414).

Amor:
“O princípio do amor orienta uma abordagem que conecta a razão com os sentidos. Raquel Paiva enfatiza o caráter cultural da pedagogia freireana em que Freire posiciona o valor das relações acima do rigor da disciplina. É um método que reconhece o Outro em plenitude e todas as formas de conhecimento. No geral, é um modelo de desenvolvimento baseado em vínculos coletivos que inclui todos os seres, sendo eles humanos ou não.” (Suzina & Tufte, 2020, p.414-415).

Esperança:
“o princípio da esperança é confiar em uma nova ordem social justa como horizonte a perseguir, como na visão de utopia de Eduardo Galeano, onde cada passo em direção a ela significa um passo à frente, sob o propósito fundamental de continuar caminhando (Galeano, 2013). A esperança é o princípio e a regra para alcançar uma visão crítica e uma busca permanente de mudança: ‘A obra de Freire representa a política comunicativa da esperança – a noção de que os seres humanos podem mudar a si mesmos e transformar as condições sociais para produzir uma sociedade mais justa’ (Waisbord, 2020). Desse modo, a abordagem freiriana se torna uma fonte de resiliência democrática. Consequentemente, o oposto de assimetria não é simetria, mas é justiça e coexistência no sentido de abrir espaço para diferentes formas de ser e compreender.” (Suzina & Tufte, 2020, p.415).
 
Humildade:
“Freire descreve a humildade como um requisito específico para reconhecer que as pessoas – quaisquer pessoas – tem conhecimento. O diálogo, realizado por meio da comunicação e com humildade, torna-se um lugar de encontro no cotidiano, onde o conhecimento é construído e reconstruído de forma permanente. (…) No entanto, a humildade sugere que a verdade autêntica não pertence a nenhum indivíduo ou grupo, nem é imposta por um grupo a outro. A verdade autêntica – ou a palavra autêntica, na terminologia de Freire – é antes o resultado de um exercício permanente de ação e reflexão, que leva em conta a realidade e a perspectiva de cada participante da comunicação (Suzina, 2019).” (Suzina & Tufte, 2020, p.414).

Para pensar: Como esses princípios podem atualmente, neste contexto de pandemia, nos motivar ou impulsionar para a luta nos dias de hoje?

A leitura de sua obra permite amadurecer conceitos como a necessidade de uma educação praticada a partir de uma perspectiva crítica e autônoma para a formação de sujeitos capazes de transformar politico e socialmente suas realidades.

Freire criticava a ideia de que ensinar é transmitir saber porque para ele a missão do professor era possibilitar a criação ou a produção de conhecimentos. Mas ele não comungava da concepção de que o aluno precisa apenas de que lhe sejam facilitadas as condições para o autoaprendizado. Freire previa para o professor um papel diretivo e informativo – portanto, ele não pode renunciar a exercer autoridade. Segundo o pensador pernambucano, o profissional de educação deve levar os alunos a conhecer conteúdos, mas não como verdade absoluta. Freire dizia que ninguém ensina nada a ninguém, mas as pessoas também não aprendem sozinhas.

“Os homens se educam entre si mediados pelo mundo”, escreveu. Isso implica um princípio fundamental para Freire: o de que o aluno, alfabetizado ou não, chega à escola levando uma cultura que não é melhor nem pior do que a do professor. Em sala de aula, os dois lados aprenderão juntos, um com o outro – e para isso é necessário que as relações sejam afetivas e democráticas, garantindo a todos a possibilidade de se expressar. “Uma das grandes inovações da pedagogia freiriana é considerar que o sujeito da criação cultural não é individual, mas coletivo”, diz José Eustáquio Romão, diretor do Instituto Paulo Freire, em São Paulo.

A valorização da cultura do aluno é a chave para o processo de conscientização preconizado por Paulo Freire e está no âmago de seu método de alfabetização, formulado inicialmente para o ensino de adultos. Basicamente, o método propõe a identificação e catalogação das palavras-chave do vocabulário dos alunos – as chamadas palavras geradoras. Elas devem sugerir situações de vida comuns e significativas para os integrantes da comunidade em que se atua, como por exemplo “tijolo” para os operários da construção civil.

Diante dos alunos, o professor mostrará lado a lado a palavra e a representação visual do objeto que ela designa. Os mecanismos de linguagem serão estudados depois do desdobramento em sílabas das palavras geradoras. O conjunto das palavras geradoras deve conter as diferentes possibilidades silábicas e permitir o estudo de todas as situações que possam ocorrer durante a leitura e a escrita. “Isso faz com que a pessoa incorpore as estruturas linguísticas do idioma materno”, diz Romão. Embora a técnica de silabação seja hoje vista como ultrapassada, o uso de palavras geradoras continua sendo adotado com sucesso em programas de alfabetização em diversos países do mundo.

Seres inacabados
O método Paulo Freire não visa apenas tornar mais rápido e acessível o aprendizado, mas pretende habilitar o aluno a “ler o mundo”, na expressão famosa do educador. “Trata-se de aprender a ler a realidade (conhecê-la) para em seguida poder reescrever essa realidade (transformá-la)”, dizia Freire. A alfabetização é, para o educador, um modo de os desfavorecidos romperem o que chamou de “cultura do silêncio” e transformar a realidade, “como sujeitos da própria história”.

No conjunto do pensamento de Paulo Freire encontra-se a ideia de que tudo está em permanente transformação e interação. Por isso, não há futuro a priori, como ele gostava de repetir no fim da vida, como crítica aos intelectuais de esquerda que consideravam a emancipação das classes desfavorecidas como uma inevitabilidade histórica. Esse ponto de vista implica a concepção do ser humano como “histórico e inacabado” e consequentemente sempre pronto a aprender. No caso particular dos professores, isso se reflete na necessidade de formação rigorosa e permanente. Freire dizia, numa frase famosa, que “o mundo não é, o mundo está sendo”.

Para pensar
Um conceito a que Paulo Freire deu a máxima importância, e que nem sempre é abordado pelos teóricos, é o de coerência. Para ele, não é possível adotar diretrizes pedagógicas de modo consequente sem que elas orientem a prática, até em seus aspectos mais corriqueiros. “As qualidades e virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e fazemos”, escreveu o educador. “Como, na verdade, posso eu continuar falando no respeito à dignidade do educando se o ironizo, se o discrimino, se o inibo com minha arrogância?” Você, professor, tem a preocupação de agir na escola de acordo com os princípios em que acredita? E costuma analisar as próprias atitudes sob esse ponto de vista?

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